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06/02/2012



Sou um Caso Perdido – Mario Benedetti

Por fim um crítico sagaz revelou
(eu já sabia que iam descobrir)
que nos meus contos sou parcial
e tangencialmente apela
que assuma a neutralidade
como qualquer intelectual que se respeite
creio que tem razão
sou parcial
disto não tem dúvida
mais ainda eu diria que um parcial irrecuperável
caso perdido enfim
já que por mais esforço que faça
nunca poderei chegar a ser neutro
em vários países deste continente
especialistas destacados
fizeram o possível e o impossível
para curar-me da parcialidade
por exemplo na biblioteca nacional do meu país
ordenaram o expurgo parcial
dos meus livros parciais
na Argentina me deram quarenta e oito horas
(e senão me matavam) para que me fosse
com minha parcialidade nos ombros
por último no peru isolaram minha parcialidade
e a mim me deportaram
de ter sido neutro
não teria necessitado
essas terapias intensivas
porém que se vai fazer
sou parcial
incuravelmente parcial
e mesmo que possa soar um pouco estranho
totalmente
parcial
já sei
isso significa que não poderia aspirar
a tantíssimas honras e reputações
e preces e dignidades
que o mundo reserva para os intelectuais
que se respeitam
quer dizer para os neutros
com um agravante
como cada vez existem menos neutros
as distinções se dividem
entre pouquíssimos
além disso e a partir
das minhas confessas limitações
devo reconhecer que a esses poucos neutros
tenho certa admiração
ou melhor lhes reservo certo assombro
já que na realidade é necessário uma têmpera de aço
para se manter neutro diante de episódios como
girón
tlatelolco
trelew
pando
la moneda
é claro que a gente
e talvez seja isto o que o crítico queria me dizer
poderia ser parcial na vida privada
e neutro nas belas-letras
digamos indignar-se contra Pinochet
durante a insônia
e escrever contos diurnos
sobre a atlântida
não é má ideia
e lógico
tem a vantagem
de que por um lado
a gente tem conflitos de consciência
e isso sempre representa
um bom nutrimento para a arte
e por outro não deixa flancos para que o fustigue
a imprensa burguesa e/ou o neutro
não é má ideia
mas
já me vejo descobrindo ou imaginando
no continente submerso
a existência de oprimidos e opressores
parciais e neutros
torturados e verdugos
ou seja a mesma confusão
cuba sim ianques não
dos continentes não submergidos
de modo que
como parece que não tenho remédio
e estou definitivamente perdido
para a frutífera neutralidade
o mais provável é que continue escrevendo
contos não neutros
e poemas e ensaios e canções e novelas não neutras
mas aviso que será assim
mesmo que não tratem de torturas e prisões
ou outros tópicos que ao que parece
tornam-se insuportáveis para os neutros
será assim mesmo que tratem de borboletas e nuvens
e duendes e peixinhos.

Dia Branco - Geraldo Azevedo

01/02/2012

Pequeñas lecciones de erotismo ( Gioconda Belli)



I
Recorrer un cuerpo en su extensión de vela
Es dar la vuelta al mundo
Atravesar sin brújula la rosa de los vientos
Islas golfos penínsulas diques de aguas embravecidas
No es tarea fácil - si placentera -
No creas hacerlo en un día o noche de sábanas explayadas
Hay secretos en los poros para llenar muchas lunas.
II
El cuerpo es carta astral en lenguaje cifrado
Encuentras un astro y quizá deberás empezar
Corregir el rumbo cuando nube huracán o aullido
profundo
Te pongan estremecimientos
Cuenco de la mano que no sospechaste.
III
Repasa muchas veces una extensión
Encuentra el lago de los nenúfares
Acaricia con tu ancla el centro del lirio
Sumérgete ahógate distiéndete
No te niegues el olor la sal el azúcar
Los vientos profundos cúmulos nimbus de los pulmones
Niebla en el cerebro
Temblor de las piernas
Maremoto adormecido de los besos.
IV
Instálate en el humus sin miedo al desgaste sin prisa
No quieras alcanzar la cima
Retrasa la puerta del paraíso
Acuna tu ángel caído revuélvele la espesa cabellera con la
Espada de fuego usurpada
Muerde la manzana.
18
Gioconda Belli
V
Huele
Duele
Intercambia miradas saliva imprégnate
Da vueltas imprime sollozos piel que se escurre
Pie hallazgo al final de la pierna
Persíguelo busca secreto del paso forma del talón
Arco del andar bahías formando arqueado caminar
Gústalos.
VI
Escucha caracola del oído
Como gime la humedad
Lóbulo que se acerca al labio sonido de la respiración
Poros que se alzan formando diminutas montañas
Sensación estremecida de piel insurrecta al tacto
Suave puente nuca desciende al mar pecho
Marea del corazón susúrrale
Encuentra la gruta del agua.
VII
Traspasa la tierra del fuego la buena esperanza
navega loco en la juntura de los océanos
Cruza las algas ármate de corales ulula gime
Emerge con la rama de olivo llora socavando ternuras ocultas
Desnuda miradas de asombro
Despeña el sextante desde lo alto de la pestaña
Arquea las cejas abre ventanas de la nariz.
VIII
Aspira suspira
Muérete un poco
Dulce lentamente muérete
Agoniza contra la pupila extiende el goce
Dobla el mástil hincha las velas
Navega dobla hacia Venus
estrella de la mañana
- el mar como un vasto cristal azogado -
duérmete náufrago.